quarta-feira, 18 de agosto de 2010

JOHNNY

Recompôs o seu próprio bigode, penteou os cabelos mais do que de costume, mas tudo automático, nó cego em seus desajeitados sapatos que constantemente teimavam e desfaziam seu próprio rumo. Não sonhava tão muito, nem dormia tão pouco. Voltara-se para a filosofia, mas mais ainda para um ceticismo amotinado que empalidecera e envelhecera alguns costumes. Nas noites mais escuras das retinas do tempo, voltava-se para a leitura acabada, destroçada, diminuída nos ritmos de solidão.
Queria muito mais que os pêsames singulares de propriedade privada, por isso irritava as cordas vocais com agudos debaixo d'água "achuveirada". Foi assim que encontrara-se nos quentes chás sedativos de meia noite. Se beber era remédio, não sabia, mas preenchera-se sempre de qualquer fervor que o tocasse nos lábios.
O piso escorregadio nunca negara todos os passos vitoriosos daquele que sumira-se na vida. Vendia a vontade de prosseguir. Usava-a ainda, isto é fato, mas por mero descaso, desacato à personalidade que ali reinava. Podia muito bem vender, isso mesmo. Livrarias o contemplavam em esquisitisse, metido com livros infantis, de aventura, de magia. O problema era a falta de sonhos, compensava-a comendo as páginas da imaginação fértil de algum autor. Ao invés de "O Príncipe", segurava sim "O Pequeno Príncipe" entre as mãos trêmulas devido a euforia.
Observava apenas o que tocava, o que acontecia ao seu redor; não-tocado era de pouca importância. Entre pesssoas e mais pessoas, parado perpetuamente continuara. Continuaria sempre pela estranheza de seu nariz empinado, do preto e branco ao seu redor que não ousava mudar de tonalidade. Afinal, a época era de poucos e muitos valores que não se decidiam apenas com uma camomila. Fitou todas as prateleiras, escorregou os dedos macios e sem calos por alguns livros e, finalmente, decidiu "O mágico de Oz". Teria gostado de conhecer alguma Dorothy por um caminho de tijolos amarelos.
Virou-se de lado para admirar a capa e acabou sendo esbarrado por uma jovem, de cabelos castanhos (quase loiros), sobrancelha feita e lábios carmim que sorriam sensualmente. Pondo-se inteiramente atento pelo tato sensível, segurou-a, por um instante, pousando seus olhos cobiçosos no xadrez da existência carmim.
- Desculpa - Disse, por fim, a jovem, com um sotaque lascivo. Enquanto ambos olhos fitavam-se demasiadamente.
- Não, não! Tudo bem, não foi nada. Qual seu nome?
- Gilda. E o seu?
- Johnny.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Rouxinol

Sentei no meu pranto
pra colher certas ternuras,
e decertas foram as lágrimas
que me caíam bestamente
pelos cantos olhados
no meu mundo diferente.

Sentei na minha vida
e observei
com aguardente na mão,
que não tomei.

Vibrei com o passarinho,
piava piava
no seu ninho,
soava soava
bem acolhido,
bem amado,
bem vivido!

- Não te esqueço...
dizia a saudade a cada canto;
até no canto da parede, do sofá,
da sala de estar, da cama.
Dizia vibrante e entre águas diferentes
no seu último suspiro:
- Te amo.